terça-feira, agosto 20, 2013

MIGUEL SOUSA TAVARES - UMA HORA NO BANCO, UM MINUTO NO CAMPO

1 - Com o começo do campeonato regressaram também os jogos domingo à tarde. É de bom tom, ou é mesmo genuíno, saudar o regresso às tradições de antanho. Não é o meu caso: gosto do futebol ao final do dia, principio da noite. Por razões climáticas, particularmente no Verão; por razões técnicas: não há sol a incomodar os artistas ou os operadores de câmara que, como se viu na transmissão televisiva do Marítimo-Benfica, não conseguem adaptar a lente à transição sol-sombra, deixando metade do campo à adivinhação; e, enfim, por razões de organização familiar: um jogo a meio da tarde de um domingo arruína o domingo, destrói um fim-de-semana. O que eu gosto mesmo é do horário da UEFA para a Champions: 20.45. E gosto de um jogo dos grandes em cada dia do fim-de-semana; um à sexta ou à segunda, outro ao sábado e outro ao domingo. Por favor, não se armem em ingleses!

2 - Muito melhor resultado do que exibição conseguiu o Sporting. O 5-1 não diz nada sobre o que se passou até chegar ao empate, depois de se ter visto a perder, e com justiça, frente ao estreante Arouca. E diz pouco sobre o que se passou a seguir. Patrício salvou dois golos, atrás de uma defesa de papel. Mostrou um meio-campo sem ideias - felizmente para os sportinguistas, compensado por um ataque super-eficaz, com rasgos individuais que decidiram o jogo. E teve um hat trick do colombiano Fredy Montero, que aparenta ser uma promessa de um bom finalizador, mas não ainda uma certeza. Mas ainda bem para o campeonato que o Sporting entrou assim - e há quanto tempo, nem que fosse por goal average, não se encontrava no primeiro lugar do campeonato?


3 - Vi, pela primeira vez esta época, o tão mal-falado Benfica do quinto ano de Jorge Jesus. E confirmei que aquilo não vai bem por ali. Mas antes,deixem-me falar do enquadramento surreal do jogo: depois de milhões dos contribuintes injectado em jogadores e despesas correntes, o Marítimo decidiu lançar uma obra megalómana de alargamento do estádio (que nunca enchia!), a qual se encontra parada há dois anos, por falta de verbas. Assim, após mais uns milhões dos contribuintes gastos, o Marítimo joga agora num Estádio dos Barreiros em que três dos quatro lados são ocupados por bancadas inacabadas e desertas, imaginadas para albergar uma inexistente multidão disposta a ver um jogo de futebol todavia disputado ainda num quintal de dimensões mínimas, onde jogar futebol é como abrir caminho até à água, na praia de Carcavelos, num domingo à tarde. E, para completar a ironia, o Marítimo ostenta ainda nas camisolas o nome do seu principal patrocinador: o Banco Banif, hoje propriedade dos contribuintes, depois de o Estado lá ter injectado umas centenas de milhões para evitar a sua falência. Mas o Marítimo é o clube do dr. Jardim e isso explica tudo.

Pois o Benfica, que há onze anos ali não perdia para o campeonato, tropeçou desta vez, num daqueles jogos em que se limitou a esperar que a sua supremacia natural fizesse o trabalho por si. Não têm nenhumas razões de queixa do penalty do Marítimo, indiscutível, e, quanto ao penalty redentor que suplicaram no último suspiro da partida, acho que ninguém de boa-fé conseguirá dizer pelas imagens se houve ou não toque no Lima e se foi intencional e suficiente para ele se deixar cair esperançadamente. Teria sido o empate, não a derrota: dois pontos perdidos, em lugar de três. E, sobretudo, alguma esperança, em lugar da grande desilusão - do resultado e da exibição. Talvez o Benfica não tenha tido sorte, mas jogou muito pouco ou nada para a merecer.

4 - Atsu arrumado, Iturbe descartado, Kelvin julgado inútil e (felizmente, felizmente!) Varela lesionado. Com alguma ou bastante imprevidência, Paulo Fonseca apresentou-se em Setúbal com apenas um extremo: Licá. E, como ele falhou em toda a linha, teve de ganhar o jogo sem extremos. Mas, ao contrário de Jorge Jesus, teve sorte.

É verdade que, logo aos três minutos, o FC Porto poderia ter-se visto a ganhar, o que teria mudado toda a história do jogo. Tenho quase a certeza de que a bola chutada por Jackson Martinez esteve toda dentro da baliza do Vitória: pelo menos, a perna do defensor que a safou estava toda lá dentro e foi essa perna que tirou a bola. Na segunda parte, com o resultado em 1-2, e numa jogada quase idêntica, também me parece que a bola entrou na baliza do Porto: teria sido o 2-2 - ou teria sido o 2-3, se ambas as bolas tivessem contado como golos. Nada a dizer do penalty, que foi evidente, ou da expulsão de Kieszek, pois cabeçadas ainda são consideradas agressão.

Como José Mota tinha avisado, o estado do relvado do Bonfim era deplorável. Mas, ao contrário do que ouvi comentar, isso não prejudica ambas as equipas por igual: prejudica sempre mais a melhor equipa, aquela com jogadores mais dotados tecnicamente. Os anos passam, e continua-se a ter de jogar em quintais e batatais - e depois querem que o público vá aos estádios.

Isso, porém, não invalida o que foi um jogo falhado e preocupante do FC Porto, a que só os três pontos e a continuação da história arrasadora das deslocações dos portistas a Setúbal trouxe o indispensável conforto. Não foi por causa do relvado que o Helton teve três saídas em falso, duas das quais só não acabaram em golo por sorte. Que o Otamendi fez uma exibição desastrada em tudo. Que o Fernando e o Defour estiveram ao seu nível habitual, isto é, irrelevantes, excedentários, inúteis. Que o Lucho foi fiel ao seu ciclo de três jogos — um razoável, um excelente, um para esquecer. Que o Licá, a grande revelação da final da Supertaça, não deu uma para a caixa. E que até o Jackson Martinez, entre o azar e o desacerto, só se salvou com o golo autoritário ao cair do pano. Safaram-se quem? O Mangala, salvando as abébias do Otamendi e os passeios ao luar do Helton. O Josué, participando em todos os golos e mostrando ao Defour e ao Fernando que também se pode jogar a meio campo sem ser para o lado e para trás. E, claro, aquele miúdo de quem aqui falei tão entusiasticamente a semana passada, um tal de Juan Quintero. O pobre passou uma hora sentado no banco, a assistir à inócua prestação do meio-campo portista e a pensar para consigo: 'melhor do que isto, eu faço seguramente!'. E quando, enfim, Paulo Fonseca lá lhe deu ordem de soltura, percebendo que com o Defour não ia ganhar o jogo. o miúdo precisou apenas de um minuto em campo para resolver a questão, num golpe de mestre.

Eu percebo, já aqui o disse, que Paulo Fonseca faça ainda alguma cerimónia em dar a Juan Quintero todo o protagonismo que ele obviamente merece, aos olhos de quem quer que seja que entenda alguma coisa de futebol. Percebo que, a bem do ambiente na equipa, ele tenha de mostrar consideração pelos que já lá estavam antes, preferindo esperar que as coisas se tornem demasiado evidentes por si. Mas o que espero veementemente é que Paulo Fonseca não pertença à estirpe dos treinadores que, por instinto ou por defesa própria, têm horror aos génios que num só golpe são capazes de lhes desmontar todas as teorias e estratégias próprias. Espero que Paulo Fonseca medite no exemplo de Vítor Pereira, na época passada: também ele encostou o Atsu, descartou o Iturbe e renunciou a apostar no Kelvin. Imaginou poder ganhar o campeonato com o Varela e foi só quando se viu a perder em Braga a dez minutos do fim que lançou o Kelvin - e ele respondeu com dois golos, que viraram o jogo e mantiveram o Porto na luta. É claro que, como represália, na semana seguinte Vítor Pereira sentou o Kelvin no banco e o mesmo fez no jogo do título, contra o Benfica. Mas, de novo, vendo-se empatado e a patinar no jogo, lá soltou o Kelvin outra vez a dez minutos do fim...e aconteceu o que se sabe. Foi o Kelvin quem ganhou o campeonato para o Vítor Pereira. Ganhou-o apesar de Vítor Pereira.

in abola


Regressado de torrar ao sol, lá venho eu cansado de não fazer nada...vou precisar de férias das férias...:-) mas a tarde foi boa, pois levei a abola para a praia e foi rir a bom rir com as diarreias do MST...

Ó pá, nem vale a pena falar...é sempre a mesma cassete...e como eu dizia ainda está com a cabeça inchada como um lampião, o que o torna mais FDP que um verdadeiro lampião...digam lá se não tenho razão ao dizer que há portistas mais FDPs que os vermelhos?

Só vou dizer duas coisinhas...o homem, não gosta de jogos à tarde...:-))) eu quase poderia ir ao arquivo onde ele dizia o contrário...por exemplo os horários da LC à semana para mim são uma desgraça...depende dos empregos de cada um...mas o que mais gostei foi : "Por favor, não se armem em ingleses!" ahahahha.... Então não é ele que adora o Wimbledon? As camisolinhas brancas , o cabelo curtinho...o cuzinho lavadinho...e espera lá, aquela merda não é tarde? Já estou a ver que não consegue ver uma bola por causa do  sol-sombra...agora percebo porque ele se dedica à vestimenta...

De resto concordo com tudo...Mangala (curiosamente teve a falha mais grave da partida, mas ele acha que foi bestial)...Defour...Varela...Kelvin...Vítor Pereira...a prova provada que não percebe a ponta de um corno e é um FDP mal intencionado...mas aonde está a novidade?


E como me tinha passado ao lado esta entrevista, dedico-a ao MST...:-)


Em entrevista exclusiva ao i, o ex-treinador do FC Porto diz que sentiu o sofrimento do técnico rival no jogo decisivo no Dragão

As tentativas de contacto telefónico para a Arábia Saudita sucediam-se. Recorremos aos sms, sem resposta. Se calhar Vítor Pereira não quer falar, pensámos. Uns dias depois, o treinador português responde à mensagem, explicando que partira para a Coreia sem o telemóvel português. Desencontros resolvidos, o técnico atende o i logo à primeira. Contrariamente à imagem que muitos adeptos guardam, Vítor Pereira é uma pessoa simples, humilde e ponderada. Durante uma hora conversou sem fugir a qualquer tema e no fim agradeceu a entrevista. A este nível, poucos são os treinadores com uma postura tão acessível.

Odiado por uns, apoiado por outros, nunca foi uma figura consensual no FC Porto. Isto apesar de ter ganho dois campeonatos em duas épocas, três em três se contarmos com 2010/11 (como adjunto de André Villas-Boas). Se o seu jogo de posse de bola não encantou os adeptos, os números são, no mínimo, impressionantes: 60 jogos na Liga, apenas uma derrota. Ou 90, se somarmos a totalidade da sua passagem pelo futebol profissional portista. Nunca um técnico conseguira tal feito em Portugal. Depois, uma mudança radical: desde Julho que orienta o Al Ahli Jeddah, na Arábia Saudita. É do Médio Oriente que fala sobre as emoções da última época, de Jorge Jesus e do Benfica, da relação com os jogadores azuis-e-brancos e responde às críticas de Rolando.

Após o sucesso no Porto, porque escolheu ir para a Arábia Saudita?

Depois de três anos consecutivos no Porto achei que seria bom ter uma vida e experiência diferentes. Algumas oportunidades não se concretizaram mesmo em cima da hora. Dentro das que foram possíveis, este era para mim o projecto mais aliciante. Do ponto de vista desportivo e financeiro era o melhor, do ponto de vista familiar tinha aquilo que eu procurava, razões pelas quais optei pelo Al Ahli.

O clube não ganha o campeonato há 29 anos, o futebol é muito diferente do nosso. Foi isso que o desafiou?

No dia 21 temos os quartos-de-final da Liga dos Campeões da Ásia [contra o FC Seoul, da Coreia], é um desafio. Outro é ganhar a liga saudita, o grande objectivo que me trouxe aqui. Depois porque o clube tem uma massa associativa muito grande e entusiástica. Apesar de ter de evoluir em termos de organização, quer dar todas as condições a quem aqui trabalha para ser vencedor e tem condições para se impor nesta zona do globo.

O que tem sido mais difícil na adaptação a um país tão diferente?

A maior dificuldade foi ter apanhado o Ramadão, porque nos altera completamente a vida. Vive-se de noite e dorme-se de dia. Quando dei por isso estava no ritmo deles: acordado durante a noite e a dormir de manhã. Iniciava o trabalho à tarde para acabar o treino à uma da manhã, coisa que eu não me lembraria de fazer. A língua não tem sido problema, é uma oportunidade para desenvolver o meu inglês, estava a precisar. Já trabalho, ainda sem a qualidade do Porto, obviamente, mas dentro dos moldes em que o fazia lá. A mudança foi grande, mas a equipa já começa a evidenciar o jogo de que eu gosto, de posse, de pressing. Não estão habituados, o jogo aqui é muito partido, de transições constantes, e estou a tentar mudar completamente o chip. Agora vem aí o jogo com o FC Seoul para avaliar a nossa evolução.

Também notou muitas diferenças na mentalidade dos jogadores?

O último jogo foi em casa do Al Jazira, vencemos 1-0 e estivemos sempre no meio campo deles. A evolução que vi dos primeiros jogos para este é no sentido que pretendo. São extremamente competitivos no treino, às vezes até demasiado agressivos. No treino inicialmente foi difícil, os meus exercícios são complexos e tive de simplificar um pouco, mas agora já me conseguem dar aquilo que o exercício exige.

Olhando para trás, já conseguiu perceber o que motivou tantas críticas, mesmo tendo sido sempre campeão?

Em três anos de Porto - não eu, todo o grupo - perdemos um jogo para o campeonato. Isto são factos. Ganhei oito títulos, a equipa tinha uma identidade clara. Orgulho-me de ter passado estes anos no Porto, dos títulos conquistados, do trabalho feito. Claro que podíamos ter ido mais longe na Liga dos Campeões. Foi um objectivo que ficou por cumprir, tínhamos condições para ir mais além. Na primeira época não tivemos espírito, mas este ano foi pena. A maior parte das vezes as pessoas avaliam a personalidade, eu provavelmente não sou muito sociável, gosto de estar no meu canto, se calhar tenho de me preocupar mais um pouco com a imagem; mas preocupo-me com a minha competência, com o trabalho, os jogos, a táctica e a estratégia. Estivemos ao melhor nível nos jogos com os grandes rivais, ficou claro que o Porto foi sempre a melhor equipa.

No primeiro ano queixou-se que os jogadores estavam com a cabeça noutro lado. Se fosse hoje, teria feito algo de forma diferente?

Se o receptor não quiser ouvir, dificilmente a comunicação chega. A primeira fase da época foi muito difícil, mas foi uma experiência importante para mim, para crescermos, evoluirmos e corrigirmos os erros. Procuro retirar de todas as experiências aquilo que é importante para evoluir. Ajudou-me a estar hoje muito mais preparado do que estava na altura.

No início parece ter tido dificuldades em transmitir a mensagem. Como conseguiu levar as coisas a bom porto?

Com muito trabalho, convicções e ideias de jogo muito fortes. E com a ajuda dos que estavam concentrados conseguiu-se o grande objectivo, que era ganhar o campeonato. A Liga dos Campeões ficou pelo caminho, estávamos a passar por esse período em que não conseguíamos consolidar as coisas. Acredito muito no trabalho, as coisas só resultam quando acreditamos e nos centramos nelas. Foi um período para minimizar estragos e não deixar fugir os objectivos. Não conseguimos ganhar ao Zenit na Champions, mas no campeonato ainda fomos a tempo de estabilizar, ser compactos na fase decisiva, e ganhámos com mérito.

Na segunda época sentiu que os jogadores estavam mais do seu lado?

O que mudou foram os receptores, a comunicação não foi muito diferente. Mudou a capacidade de ouvir, de concentração nos objectivos. Foi claramente um grupo unido, o único senão que tivemos foi a derrota em Málaga. As pessoas esquecem o que ficou para trás, perdemos em condições invulgares, parece que não querem falar sobre isso - Moutinho lesionado, uma expulsão nos primeiros minutos da segunda parte. São condicionantes muito grandes para quem quer seguir em frente. Não estivemos ao nosso nível e pagámos uma factura elevada. Para mim, fazer o que fizemos ao Málaga não é para qualquer equipa. Mas a realidade nua e crua é que foi um campeonato sem derrotas. Não sei o que posso dizer de uma equipa que não perde, que se exibe muitas vezes a um nível elevado. Só vendo as coisas más é que as pessoas não vêem as boas, porque destas há muito para ver.

Os jogadores do Benfica pareciam estar a festejar o título quando venceram na Madeira. Qual foi o seu discurso antes do jogo decisivo no Dragão?

O discurso é sempre para o lado emocional quando se sente que a equipa não está centrada, um discurso mais para o lado táctico quando se sente que a equipa está bem, é por aqui o meu caminho. Mais uma vez mostrámos a força de acreditar numa ideia - jogámos sempre da mesma forma, na Luz ou em Alvalade, sempre para assumir o domínio e pressionar. Quisemos ganhar, jogámos sempre em cima do Benfica, eles defenderam. Arriscámos, quem não arrisca não consegue e sujeita-se àquilo que lhe acontece. O Benfica jogou para o empate e acabou por perder. Ganhámos o jogo e o campeonato com todo o mérito. As duas equipas discutiram o título todo o ano; mais uma vez na fase decisiva o Porto impôs as suas ideias e o seu jogo.

Fez entrar Kelvin e Liedson, que tinham jogado pouco até aí, e eles resolveram o jogo. Foi uma questão de fé mais do que táctica?

Mexer com substituições tem um lado táctico e um racional. Mas ali foi o intuitivo a funcionar. Senti que o Liedson podia ajudar com a sua experiência, precisava de mais homens na frente. O Kelvin porque é irreverente, vai para cima, tem técnica e velocidade. Decidi de forma intuitiva naquele momento. Toda a equipa quis ganhar, foi mérito deles, não do treinador. Recordo que a determinada altura os centrais subiam e a equipa ficava desequilibrada, mas eram eles a sentir o jogo, queriam ganhar o campeonato e festejar. Portanto é o sentir da equipa, acho que respondeu com personalidade e ambição.

No golo do Kelvin, já nos descontos, a imagem de Jorge Jesus a ajoelhar-se é muito forte. Viu essas imagens na TV?

É uma imagem de facto muito forte, marcante, que julgo perdurará para toda a vida. Ali é o contraste entre uma época, para mim, de grande luta, intensidade a todos os níveis, que se decide numa fracção de segundospela positiva com um golo. Do outro é uma imagem de alguém que também lutou toda uma época para ser feliz, sofreu como eu sofri, e vê-a fugir nessa fracção de segundo. A imagem reflecte esse momento de desespero, frustração. O treinador do outro lado, mesmo sendo rival e estando num momento de grande euforia, não fica indiferente. Eu sinceramente não fiquei indiferente, visto depois a posteriori sinto quase o sofrimento dele, é preciso uma força interior enorme para lidar com tudo isto. De certeza que naquele momento sentiu todo o peso de uma época a cair-lhe em cima. Independentemente do segundo lugar, fizeram uma época brilhante, depois perderam os outros objectivos, mas não podemos esquecer o que o Benfica só teve uma derrota. Quando temos um rival forte, temos de estar no nosso melhor e isso ajudou ao nosso crescimento.

Acha que as suas declarações a espicaçar o Estoril antes do jogo na Luz foram decisivas no desfecho da Liga?

Podia dizer-lhe que sim, mas estaria a auto-elogiar-me. Não posso dizer que teve influência para o Estoril apresentar-se na Luz com a autoridade e a convicção de que poderia ganhar. Foram mensagens externas (o título estava entregue) e internas (o campeonato não estava atribuído por antecipação) diferentes. Podemos avaliar os factos e parece-me que esses efeitos surgiram, tiveram algum impacto. O Estoril empatou porque tem qualidade, é uma equipa bem treinada. Se o Benfica entendeu as minhas palavras como se o título estivesse decidido, foi a minha intenção. Não sei se teve efeito, mas o Benfica não foi superior.

Mostrou aos seus jogadores as imagens do Benfica a festejar na Madeira?

É claro! Ao longo de toda a época utilizamos com frequência imagens que nos motivem, positivas ou negativas, em função do que pretendemos transmitir à equipa. Sempre no sentido de nos apresentarmos nos jogos motivados e centrados no objectivo.

Ficou sem Falcao e Hulk em duas épocas. Agora o Porto perde Moutinho e James. É um golpe muito duro?

São dois jogadores com qualidade, mas o Porto trabalha sempre no sentido de se renovar com qualidade. Penso que continuará a ganhar porque não deixa sair dois jogadores desta qualidade sem antes ter encontrado quem os substitua. O Porto tem um excelente plantel e vai continuar a ganhar títulos.

Esta semana Rolando acusou-o de lhe fazer "a vida negra". O que se passou?

Por acaso não li. A decisão partiu dele, não de mim, ele é que queria sair do Porto, manifestou esse desejo. A partir desse momento fiz as minhas opções, que não passavam por ele. Hoje vemos o Mangala, o Otamendi, e sinceramente acho que a minha decisão foi acertada. Tínhamos o Maicon e o Abdoulaye, o Porto está muito bem servido de centrais. O Rolando tem a sua qualidade, não tinha o seu espaço no Porto porque queria sair para um campeonato diferente, depois se as oportunidades para ele não surgiram, isso não tem nada a ver comigo, já tinha feito o meu plano e expliquei-lhe isso. A vida negra que eu lhe fiz resume-se a isto.

Em três anos de Porto, 90 jogos na Liga e apenas uma derrota?

[Risos.]

Não sei se alguém já atingiu marca semelhante?

As críticas ficaram para trás, esses números agora até me fazem rir...

Mas, em traços muito gerais, quais foram os pilares que permitiram isto?

Três coisas muito simples: a qualidade dos jogadores, do trabalho e do clube. Só conjugando isso se consegue uma performance a este nível. É uma questão curiosa que pode verificar, não acredito que existam três épocas consecutivas com esses resultados [Jimmy Hagan em 71/72 e 72/73 fez 60 jogos pelo Benfica. Uma derrota na 1.a época, na 2.a campeão invicto, tal como Vítor Pereira].

Falou-se da possível renovação, mas acabou por deixar o Porto. Sentiu que já tinha cumprido a sua missão ou estava cansado das críticas?

Senti que estava na hora de mudar, o ciclo tinha terminado e pareceu-me melhor agarrar outro projecto e dar ao clube oportunidade de se renovar. Do ponto de vista familiar, permitiu uma vida mais tranquila porque a exposição que temos no nosso país não nos desgasta só a nós, desgasta a família. Mais por eles que por mim senti que era hora de descanso e ir para outro lado. Fico-lhes eternamente agradecido [ao FC Porto].

Na última jornada, com o P. Ferreira, Paulo Fonseca aproximou-se de si antes de o jogo terminar e falaram durante alguns segundos. Parecia quase uma passagem de testemunho?

[Risos.] Acho que o Porto fez uma boa escolha. O que lhe disse nesse momento foi que fez uma época excepcional e merecia um grande. A premonição estava correcta. Fez uma época excepcional no Paços, vem de baixo, como gosto, não é daqueles treinadores que aparecem logo num grande clube sem terem de partir pedra para chegar a um nível alto. Tem um trajecto seguro, com convicções e ideias. O Porto escolheu muito bem.

Conhece-se pouco da sua faceta pessoal...

Não se sabe nada porque tenho uma vida muito simples. Sou pai de família, vivo com a minha esposa e os meus filhos [três]. Sou uma pessoa calma que gosta de uma vida tranquila, de se isolar, estar sozinho. Gosto muito de reflectir sobre futebol quando estou fora do treino, da competição. Quando não estou em competição tenho necessidade de repor energias, não gosto de confusões, de festas, de vida social. A minha natureza é esta.

Desenvolveu uma ligação muito grande aos Açores?

É uma ligação muito especial porque o Santa Clara me deu a oportunidade de ser profissional de futebol. Até aí, no Sp. Espinho, era treinador e professor. É uma gente e um povo simples com quem me identifico, uma ilha lindíssima que me deixou saudades e um clube que me tratou bem. Do Porto também, sou uma pessoa grata. Gratidão é uma palavra forte, com um grande significado.

Como tem sido a adaptação aos costumes e ao dia-a-dia na Arábia Saudita?

Para responder basta descrever o meu dia. Durmo, até mais tarde que de costume, porque aqui tudo se faz mais tarde por causa do calor. Durante o dia só se começam a ver pessoas na rua e movimento a partir das 17h. Estou no hotel, vou ao ginásio, depois almoço, a seguir vou para o treino, passo a tarde e o início da noite a preparar as coisas - aqui a organização não é igual à do Porto, preciso de controlar muita coisa e tenho um raio de acção grande. Depois chego ao hotel às 22h30 para jantar. Eles entendem a vida de forma diferente, mas são boas pessoas na essência, não querem que me falte nada, tratam-me como um rei e acreditam muito no meu trabalho.
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