quinta-feira, abril 03, 2008

NA ÂNSIA DE CONDENAR..ATROPELAM TODAS AS LEIS

Alertam dois constitucionalistas

Uso de escutas em processos disciplinares é inconstitucional



O uso de escutas telefónicas como elemento de prova nos processos movidos pela Comissão Disciplinar (CD) da Liga de clubes ao FC Porto, Boavista, U. Leiria e respectivos presidentes pode não ser válido. A hipótese foi suscitada ao PÚBLICO por dois dos principais penalistas portugueses, que consideram que a Constituição é clara nesta matéria e não gera dúvidas interpretativas.

“A nossa Constituição da República proíbe de forma cortante e absoluta as escutas telefónicas fora do processo criminal. Nessa proibição está naturalmente abrangida a valoração probatória das escutas fora do processo criminal”
, afirmou Costa Andrade, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

A mesma convicção tem Germano Marques da Silva, professor de processo penal, durante vários anos director da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.
“A lei admite as escutas apenas em matéria de processo penal. É uma limitação de direitos, o direito à intimidade, que só podem ser restringidos no processo penal, nos termos em que a Constituição admite”
, explicou.

Esta utilização de escutas para a elaboração de notas de culpa em processos disciplinares por parte do CD da Liga é considerada “inédita” por este processualista, que não descarta a hipótese desta questão ser apreciada pelo Tribunal Constitucional. Segundo o professor Germano Marques da Silva,
“não podem ser ordenadas escutas no âmbito de processos de contra-ordenação ou disciplinar. Só em processo penal. Não se podem usar os dados obtidos através das intercepções telefónicas no processo disciplinar. Seria, por via indirecta, obter o que a Constituição expressamente proíbe”.


Leitura idêntica tem José Manuel Meirim, professor de Direito de Desporto.
“As escutas telefónicas estão permitidas legalmente para determinados tipos de crime ou pela sua gravidade ou pela sua especificidade, onde se encontra, entre outros, a corrupção”
, defendeu, exemplificando:
“Se num eventual caso de corrupção, em que foram autorizadas escutas telefónicas, for constatada a existência de indícios de outros crimes menores, o nível do relacionamento para outros processos penais já não é possível. Isto ainda e dentro de processos penais, quanto mais quando se sai fora do processo penal, neste caso para o processo disciplinar, que é um ilícito inferior em termos de gravidade, pelo menos ao nível do juizo social.”


O procedimento disciplinar intentado pela CD da Liga ao FC Porto e Boavista poderá estar, assim, em risco. No caso dos “dragões” — em que a acusação se baseia no teor das escutas dos telefonemas entre o empresário António Araújo e o presidente do clube, a par dos depoimentos de Carolina Salgado —, a impugnação do uso das intercepções telefónicas é um dos grandes argumentos da contestação que está a ser preparada à nota de culpa.

A contestação das escutas telefónicas é igualmente um dos pontos da defesa da U. Leiria e do seu presidente João Bartolomeu, já apresentada no final do ano passado. Dirigente e clube foram notificados pela CD da Liga em Dezembro, tendo apresentado a sua defesa no mesmo mês, mas ainda não foram informados da decisão final. “Desconheço as razões pelas quais ainda não foi proferida uma decisão”, diz Paulo Samagaio, advogado de João Bartolomeu, passados três meses sem qualquer indicação do órgão disciplinar da Liga.

Apesar de estarem definidos prazos apertados para quase todas as fases do processo, os regulamentos não estabelecem qualquer limite para a produção de um acórdão final, após o fim do relatório do instrutor.

IN PUBLICO