domingo, dezembro 24, 2006

Bonito para quê?





Álvaro Magalhães, escritor no JN:

Bonito para quê?


O presidente do Braga, irritado com a fraca assistência no jogo com o Grasshoppers, ameaçou levar os jogos da equipa para Guimarães. Leio agora em "O Jogo" que alguns ripostaram argumentando com desconforto do Estádio Municipal, que parece ter sido concebido para uma região tropical. Diz um deles que é "um estádio muito frio e nada funcional", diz outro que "não há lá o mínimo conforto" e outro ainda que "não cria qualquer envolvência".

Agora digo eu Parece impossível! Um estádio que colecciona elogios, prémios, que é considerado uma obra-prima, e não serve para os adeptos? Para que servirá então? Para ilustrar as revistas de arquitectura e para ser visitado por estudantes de arquitectura do mundo inteiro, para isso serve. E, claro, serve para ser bonito, para admirarmos a sua dramática suspensão no espaço. No entanto, já se suspeitava também que serve mal a função de acolher os adeptos que o frequentam.

O problema principal reside na supressão deliberada dos topos, o que, além de impor a visão unívoca da lateralidade, provoca a fragmentação dos adeptos e despreza conceitos como ressonância, unidade e envolvimento, só possíveis de alcançar com a circularidade tradicional.

Mas há ainda outro conceito desprezado, o de recolhimento. Um estádio é um lugar onde se presta um culto. Cada jogo é também uma cerimónia impregnada de religiosidade essencial e o seu carácter ritual não aconselha a abertura e o desvelamento.

Digamos, pois, que Souto Moura fez com que o estádio se adaptasse à sua obra, que se caracteriza pela simplicidade dos gestos e a redução dos elementos (inicialmente estava mesmo prevista uma única bancada), quando deveria ter acontecido o contrário. O resultado desse equívoco é uma obra sensorial e criativa (a tal obra de arte), mas egótica e desligada das funções para que foi criada.

Obviamente, nada me move contra um estádio que seja uma obra de arte, desde que ele não seja apenas isso. A obra de arte não tem uma finalidade prática. Serve para ser bela. É essa a sua utilidade. Mas um estádio de futebol não pode sacrificar à beleza a funcionalidade. Se é belo, tem de ser belo e funcional.

Dizem os cultores mais empolgados deste estádio, e que estão livres de assistir a jogos no topo da bancada em pleno Inverno, que se trata de "algo mais do que um estádio". Será. Porém, para os adeptos, que são os fieis de cada cerimónia, é "algo menos do que um estádio", já que lhe detectam falhas essenciais. E só criaturas tão radicalmente inocentes como eles poderiam vir agora contradizer todas as pessoas inteligentes que têm dedicado ao estádio tantas distinções e louvores.

Esta desconcertante inocência só encontra paralelo na história do menino que não vislumbrava o belo fato novo do imperador, o tal que só podia ser visto por pessoas muito inteligentes, e proclamou "O rei vai nu!"

Pois bem, os adeptos do Braga, pelo menos eles, também olham para aquele belo estádio no Inverno e o vêem nu e desolado.