quarta-feira, janeiro 19, 2005

Entre a CML, A EPUL e o SLB e SCP

Fui ao arquivo...


1. Os leitores terão acompanhado uma polémica desenvolvida nestas páginas entre mim e Pedro Santana Lopes, a propósito dos apoios concedidos pelas câmaras municipais de Lisboa e Porto aos respectivos clubes. Ele sustenta que o F. C. Porto foi altamente beneficiado pela CMP na construção do novo Estádio do Dragão; eu afirmo que não, sobretudo se compararmos com os apoios que o próprio Pedro Santana Lopes, enquanto presidente da CML, concedeu a Benfica e Sporting para a construção dos respectivos estádios. Da última vez que voltou a desafiar-me sobre este tema prometi que publicaria aqui os acordos celebrados entre a CML e o Benfica e Sporting, para que os leitores pudessem julgar por si, ao mesmo tempo que o desafiei a fazer o mesmo relativamente ao que diz ter-se passado entre a CMP e o F. C. Porto.

Cumpro agora a minha promessa, continuando à espera que ele cumpra a sua - na certeza de que lhe é muito mais fácil a ele obter os elementos que quiser do seu correligionário Rui Rio, que, além do mais, nutre um ódio de estimação pelo F. C. Porto, do que me foi a mim obter elementos guardados na CML e jamais vindos a público.

Passo, pois, a reproduzir as disposições fundamentais dos contratos-programa, celebrados em Junho de 2002, entre a CML, representada por Pedro Santana Lopes, a EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa), representada pelo seu presidente Sequeira Braga, e os presidentes do S. L. Benfica e do Sporting C. P. Vou-me fixar no contrato com o Benfica, porque é aquele que mais referi e que mais envolvimento de dinheiros públicos envolve, assinalando depois as diferenças para o contrato celebrado com o Sporting. E faço-o acompanhar de notas explicativas da minha autoria, destinadas a descodificar uma linguagem contratual que procura eliberadamente esconder a dimensão do que está em causa.

Assim:

2. Considerando: O empenho da CML na criação e desenvolvimento das condições necessárias à prática do desporto, em benefício dos cidadãos da cidade de Lisboa;

3. Que a criação do novo Complexo Desportivo do Sport Lisboa e Benfica, designadamente através da construção do novo Estádio e demais equipamentos desportivos envolventes, constituem não só a realização de um interesse nacional... mas também de interesse local, pela sua importância para a cidade de Lisboa...

(Nota - Para que os espíritos mais generosos acreditem que o novo estádio não era principalmente do interesse do Benfica mas sim da CML e dos cidadãos de Lisboa, que vão passar a dispor de um novo recinto para poderem jogar futebol nos tempos livres...)

...4. Que não obstante o interesse municipal na construção do novo Estádio e demais equipamentos desportivos... o Município de Lisboa optou por não atribuir ao Clube uma comparticipação financeira, que oneraria necessariamente o orçamento municipal e prejudicaria a realização das demais obras a cargo do Município...

(Nota - Portanto, não damos dinheiro para o novo Estádio do Benfica...)

Cláusula Terceira
1. A CML, de acordo com a legislação urbanística e o Plano Director Municipal em vigor, reconhece o direito a uma área de construção de 65.000 m2 nos terrenos actualmente propriedade deste clube, sitos na zona envolvente do Estádio...

2. O SLB compromete-se a alienar à EPUL, em propriedade plena, e esta compromete-se a adquirir, os referidos terrenos... com a área de construção acima referida... pelo preço de 100.000$00 o m2.

(Nota - E eis como, com toda a limpeza, se desmente o que acima se tinha escrito: a CML não dá um tostão ao Benfica mas dá a EPUL, empresa que depende inteiramente da CML e que tem por objectivo construir habitação a preços reduzidos em Lisboa. Através desta cláusula a EPUL deu ao Benfica 6,5 milhões de contos. Que eu saiba jamais a EPUL comprou terrenos a particulares, visto que, para cumprir o seu fim social, dispõe de amplos terrenos municipais onde construir na cidade de Lisboa. É, aliás, de prever que jamais a EPUL venha a construir um metro quadrado que seja encostado ao Estádio da Luz, negócio que só pode ser ruinoso. Resta acrescentar que, salvo erro, estes mesmos terrenos que Santana Lopes mandou a EPUL comprar ao Benfica haviam-lhe sido doados pela mesmíssima CML, ao tempo do dr. Jorge Sampaio, e com o expresso fim de neles o clube construir equipamentos desportivos de utilização pública e privada - o que jamais fez. Ou seja: a CML, escondida atrás da EPUL, comprou ao Benfica, por 6,5 milhões de contos, os mesmos terrenos que já lhe havia dado...)

Cláusula Quarta
1. A CML, a EPUL e o SLB comprometem-se a estabelecer um acordo de associação... que terá por objecto a construção de 200 fogos em terrenos sitos no Vale de Santo António...

2. Os eventuais proventos líquidos desta operação serão repartidos em partes iguais pelas aqui contratantes...

[Nota - Não se especifica que área ou que valor terão os fogos a construir mas o fundamental do negócio ficou acordado: em terrenos municipais, a EPUL vai projectar, construir e comercializar 200 fogos, entregando no final um terço dos lucros ao Benfica, que apenas teve de ficar sentado à espera. Ou seja, uma empresa pública que investe propriedade e dinheiros públicos para um negócio a favor de uma empresa privada que em nada contribuiu para o negócio. O Benfica fez já uma tentativa para que a CML lhe antecipasse a sua parte nos lucros, o que não sei se terá conseguido. Tendo em conta os preços praticados habitualmente pela EPUL (e que estão longe de ser baratos), é de prever que cada fogo saia a cerca de 60.000 contos, em média. Se deduzirmos um terço para despesas (o terreno é público, logo grátis), o lucro final
pode ser estimado em cerca de oito milhões de contos, cabendo ao Benfica um pouco mais de 2,5 milhões.]

Cláusula Quinta
1. A CML compromete-se a ceder, a título gratuito e em direito de superfície, pelo prazo de trinta anos, prorrogável pelos períodos e duração estabelecidos em acordo a celebrar entre as partes, um terreno sito no Eixo Norte-Sul, destinado à instalação de um posto de abastecimento de combustíveis, que sirva os dois sentidos do referido Eixo... o qual poderá ser explorado por aquele clube directamente ou ser cedido a terceiro...

(Nota - De acordo com a redacção desta cláusula, o contrato pode ser tendencialmente eterno. Note-se também a habilidade de fingir que se trata apenas de um posto, embora «nos dois sentidos» da estrada. Ou seja, são dois postos e cada um deles está avaliado no mercado em cerca de três milhões de contos de valor de concessão.)

E eis o clausulado fundamental do acordo celebrado pela CML com o Benfica, a tal «solução imaginativa» de que falava Santana Lopes. Contas feitas à imaginação aplicada, a CML, os munícipes de Lisboa, terão no final entregue ao Sport Lisboa e Benfica, em património, dinheiro ou direitos, uma quantia próxima dos 15 milhões de contos. A que se somam os 5,5 milhões provindos directamente do Estado e, aqui sim, ao abrigo de um contrato semelhante celebrado com todos os clubes que se dispuseram a construir estádios para o Euro-2004. Assim, de um orçamento de 26 milhões, o Benfica recebe dos contribuintes cerca de 20,5 milhões para o novo estádio. Está explicado o milagre.

Resta acrescentar que, face a tanta generosidade para com o Benfica, o Sporting tratou de protestar subtilmente, muito embora, no seu caso, o clube já tivesse assinado um contrato de apoio com a anterior vereação.

Para evitar problemas, e por «um princípio de igualdade», Santana Lopes entendeu acrescentar aos apoios já concedidos ao Sporting mais o seguinte: licença de urbanização de mais 29.000 m2; o mesmo acordo com a EPUL para a construção de 200 fogos, agora em Campolide, com um terço das receitas para o Sporting; e uma bomba de gasolina no Lumiar, cujos residentes estão já a mover-se para tentar evitar a aberrante construção de uma bomba de gasolina numa rua de habitação, apenas para satisfazer o acordado entre a CML e o SCP.

Uma nota final para concluir que, consciente da imensa generosidade de que deu mostras, Pedro Santana Lopes gabou-se de ter feito incluir uma última cláusula nos contratos-programa assinados com Benfica e Sporting em que estes se comprometem a durante 10 anos não pedirem mais nenhum apoio à CML.

Haja Deus!



E havia muito mais para dizer...do Marítimo, etc,etc,etc...enfim