terça-feira, março 29, 2005

Miguel Sousa Tavares - RESCALDO

Na última década de deslocações do FC Porto a Alvalade e à Luz,acho que é improvável que o FC Porto tenha acabado mais de metade dos jogos com os mesmos jogadores dos seus adversários lisboetas.

1 - Àpós um fim-de-semana sem futebol (à parte um daqueles soporíferos jogos-treino da equipa de Scolari), aproveito para voltar ao Sporting-FC Porto da última jornada, que tanta coisa clarificou no Campeonato. E faço-o, socorrendo-me de várias opiniões que, ao longo da semana, foram sendo expostas sobre o momento determinante do jogo: a expulsão de McCarthy pelo árbitro João Ferreira. A sequência de opiniões serve para tornar claro como nada é verdadeiramente claro e consensual no futebol português.

Logo na terça-feira seguinte ao jogo, A BOLA decretava que McCarthy e Seitaridis tinham sido "bem expulsos". Para quem não tivesse visto o jogo, a afirmação, em subtítulo de primeira página, equivalia, não a uma opinião, mas a uma verdadeira constatação de facto. Confesso que nunca, como então, gostei tanto que a minha coluna neste jornal calhasse exactamente à terça-feira: isso permitiu que os leitores de A BOLA ficassem a saber que, com razão ou sem ela, havia quem contestasse tal "facto" e o reduzisse àquilo que ele não podia deixar de ser - uma simples opinião, como qualquer outra, sujeita a discordância. Viva o contraditório!

Logo no mesmo dia e aqui ao lado, no OJogo, o painel residente de quatro ex-árbitros chegava a uma rara unanimidade, de sinal contrário: a expulsão do McCarthy tinha sido infundada e a do Seitaridis tecnicamente errada. É verdade que também concluíam que o Maniche deveria ter visto um ou dois cartões amarelos, ou mesmo um vermelho directo. Mas se isso tem acontecido, teria sido num momento em que o jogo já teria vivido outra história, até porque eles também não se esqueceram de referir as duas entradas de Beto, ambas anteriores e ambas a merecerem amarelo, sobre o Ibson e o Quaresma. A discórdia estava, felizmente, lançada e sustentada em opiniões de peso.

Sem ter podido ler antecipadamente as opiniões divergentes, e confiante, conforme é tradição da casa, de que tudo o que um árbitro decide beneficiando o Sporting é bem decidido, o administrador leonino Paulo Andrade não teve dúvidas em proclamar que "o árbitro não teve influência". E, levando mais longe a sua crença, ainda acrescentou que "o Sporting dominou o jogo desde o primeiro minuto, o FC Porto poderia ter acabado com sete ou oito e ficou por acontecer uma goleada em Alvalade".

Eu devo ter visto outro jogo. O que vi foi um jogo onde o Porto dominou os primeiros dez minutos, o Sporting equilibrou até aos 20, e passou a dominar daí até à expulsão de McCarthy, aos 34 minutos - altura em que o árbitro decidiu o desfecho do jogo. Contra dez, o Sporting não criou qualquer oportunidade flagrante, só chegando ao golo de penalty e por uma precipitação de Seitaridis. E, contra nove durante mais de meia hora, só chegou ao 2-0 cinco minutos para além da hora e tendo sofrido tantos calafrios com o ataque do Porto reduzido a um avançado, que todos vimos o desespero de Peseiro e ouvimos os assobios da bancada. Pergunto-me o que teria sucedido se aquele Sporting que se arrastava contra nove tivesse tido de enfrentar onze até final. A minha resposta vale o que vale: se o tivessem deixado jogar com onze, e por aquilo que conheço mesmo desta irreconhecível equipa, o FC Porto teria ganho aquele jogo. Porque, para mim e paradoxalmente, aquela "exibição notável" do Sporting, como lhe chamou Paulo Andrade, foi também o teste final que me faltava para saber se o Sporting tem ou não "estofo de campeão".Não tem.

Aos poucos e ao longo da semana foi-se tornando evidente para a maioria que a expulsão de McCarthy fora, não apenas decisiva para o desfecho do jogo, como também reveladora de uma atitude pré-concebida contra o jogador, que vai de membros do CD a árbitros, passando por jornalistas. Porque será que nos jogos internacionais, seja nos europeus, seja nos da Selecção da África do Sul, o McCarthy nunca é expulso e é tido como um dos melhores pontas-de-lança em actvividade?

A esta questão veio juntar-se uma outra, lembrada por Pinto da Costa: o mesmo árbitro que classificou como agressão a cotovelada de McCarthy na anca do Rui Jorge, para o afastar de cima de si,foi o que deixou passar, sem um amarelo sequer, a mais violenta agressão a que assisti esta época: a entrada de Flávio Meireles, do Guimarães, sobre Costinha, deixando-o momentaneamente inconsciente em campo e depois um mês afastado dos relvados. Seria extremamente interessante (e perturbante) que um desses programas televisivos onde se faz o aftermatch dos jogos passasse as imagens de um e outro lance, convidando o árbitro João Ferreira a explicar então o seu critério disciplinar.

Na sexta-feira, António de Sousa, aqui na A BOLA dava-me a satisfação de constatar que, afinal, não estava sozinho. Escreveu ele e vale a pena citar: "O que as imagens televisivas nos deram a ver foi a reacção instintiva de um jogador que se quer libertar de outro que se sentou em cima de si! Convenhamos que não é nada cómodo que alguém se sente em cima de nós, como Rui Jorge o fez com Mccarthy.;. E, se as imagens servem para punir, também devem servir para ilibar. O CJ da FPF tem a oportunidade de lançar mão do vídeo para rectificar o relatório do árbitro e a decisão do CD, independentemente do cartão vermelho exibido ao jogador."

Sobre o CD nem sequer me pronuncio porque já não vale a pena: todos já perceberam qual é a sua única missão, nesta sua passagem pela terra. Mas não me parece que, numa Liga a sério,pudesse passar impune a actuação de um árbitro que decide objectivamente um dos chamados "jogos do título" com dois erros grosseiros, um de facto e outro de direito. A menos que o sentido de justiça e de isenção chegue ao ponto do daquele cronista sportinguista que, reconhecendo embora que McCarthy tinha sido mal expulso e concedendo a hipótese de o FC Porto "sofrer agora uma descriminação negativa, quanto a árbitros", acha que não apenas ela deve continuar, como ainda "só terá algum sentido de justiça se for estendida por uma década e sem interrupções de percurso". Leram bem.

E, por falar em década, estive a rememoriar o que foi a última década de deslocações do FC Porto a Alvalade e à Luz e acho que é improvável que o FC Porto tenha acabado mais de metade dos jogos com os mesmos jogadores dos seus adversárioslisboetas. Acho que no espírito de todos os portistas, e como dizia José Mourinho na época passada, já está interiorizada a ideia de que na Luz e em Alvalade se jogue sempre em desvantagem. Mas não me lembro (agradeço que alguém me lembre) um desses jogos dos últimos dez anos em que tenha sido o Benfica ou o Sporting a terminar com menos jogadores que o FC Porto. Mais outra década assim, a bem da verdade desportiva?


2- Neste assunto do "histórico" do FC Porto, já se sabe que a única verdade maioritária é aquela que estabelece que o FC Porto só dominou o futebol português nos últimos anos graças às arbitragens. É uma verdade que pressupõe vários corolários, o mais importante dos quais é aceitar que todos, ou quase todos, os árbitros portugueses se vendem ou vendiam - mas só ao FC Porto. Mas esta "verdade oficiosa" sempre teve um ponto fraco, que é a incapacidade de explicar como é que o FC Porto poude também dar cartas na Europa, onde os seus jogos não foram arbitrados pelos nossos árbitros e os interesses em jogo estão longe defavorecer clubes portugueses, faceaos tubarões da Europa. Pois, esta semana, li algures uma explicação para o facto, a primeira que já vi, ensaiada por um douto escrevinhador: o FC Porto, dizia ele, só ganhou a Taça UEFA e a Liga dos Campeões porque se classificou para elas graças à batota feita em Portugal. Demos então de barato que tudo aquilo que se via era falso: o FC Porto não tinha a melhor equipa, o melhor treinador, a melhor organização interna, não jogava o melhor futebol. Era tudo batota - os melhores eramoutros. Mas, assim sendo, resta outra pergunta: porque é que quando acontece o Benfica e o Sporting irem à Liga dos Campeões morrem inavariavelmente na pré-eliminatória?


3- Nuno Gomes e Hélder Postiga voltaram esta semana aos golos - na Selecção, que não nos clubes que lhes pagam. Segundo as contas feitas pela revista Sábado, com base num ordenado mensal de 100.000 euros, cada golo marcado por Nuno Gomes, nas três épocas que leva de regresso ao Benfica, custou em média 124.600 euros ao clube - qualquer coisa como 25.000 contos! Pelas minhas contas, e partindo do princípio de que Hélder Postiga ganhe apenas 75.000 euros mensais, se ele conseguisse agora marcar o seu primeiro golo ao serviço do FC Porto, esse golo teria custado cerca de 750.000 euros (150.000 contos). A matemática sempre me deixou deprimido.