sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Acordão ARRASA Conselho de Disciplina



O que diz o Acórdão

Acordam os membros do Conselho de Justiça:

Benedict Saul McCarthy vem interpôr recurso de 04 de Fevereiro de 2005 da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional que lhe aplicou a sanção de três (3) jogos de suspensão e multa de 3.500 euros.

O recorrente alega, em síntese, que:

1º - No processo sumaríssimo previsto no artigo 189 - A do RD a sanção a aplicar ao arguido é previamente comunicada, transformando-se em definitiva se o arguido nada disser.

2º - Quer isto dizer que, neste tipo de processo, a sanção proposta não pode, em caso algum, ser agravada, mas apenas mantida, diminuída ou até mesmo retirada;

3º - A decisão da CD, que agravou a pena anteriormente proposta ao recorrente é, assim, nula, porque é ilegal, acarretando, consequentemente a nulidade do presente processo;

4º - Sem prescindir, a CD faz uma errada apreciação, não só das imagens que serviram de suporte à acusação, mas também daquelas que foram carreadas para os autos pelo recorrente na sua defesa;

5º - Da análise das provas acima referidas constata-se, sem quaisquer dúvidas ou reservas, que o recorrente respondeu à agressão, que sobre si foi cometida pelo jogador Danilo Serrano.

6º - Nesse circunstancialismo, a sanção arbitrada pela Comissão Disciplinar é desajustada, levando à redução da pena do recorrente, com as demais consequências daí recorrentes, designadamente no que respeita ao comportamento do jogador Danilo Serrano;

7º - No acórdão recorrido violaram-se os artigos 172, nº.5 e 189 - A do RD.

Citada para contestar, nos termos do art.º 9º, al. e) do Regulamento do Conselho de Justiça, veio a Comissão Disciplinar da Liga arguir a nulidade do despacho com fundamento em violação dos princípios da igualdade, acesso ao direito e justiça.

Importa decidir previamente esta questão:

Decorre do art.º 18º da C.R.P. que as restrições aos direitos fundamentais devem resultar da Lei (em sentido amplo), e respeitar os requisitos da:

- necessidade do meio para efectivação de um direito tutelado ou defesa do bem jurídico em causa;

- adequação que seja restrição apropriada à obtenção do resultado lícito que se visa;

- proporcionalidade entre o "sacrifício" e o fim visado.

Ora, a tutela do direito em causa, na sua defesa inclusive com possibilidade de recurso, preservando o efeito útil da impugnação, dadas as condicionantes do calendário desportivo profissional, torna compreensível e constitucionalmente adequado o disposto no art.º 17º, n.º 1 do Regimento do Conselho de Justiça.

Ademais, nem pode a recorrida invocar sacrifício que é incomportável com a apresentação da sua resposta (e não defesa como refere) visto que, naturalmente conhecedora do conteúdo do processo, fácil lhe seria responder no prazo fixado.

Nestes termos é evidente a conclusão de que inexiste a arguida nulidade já que este Conselho se limitou a dar aplicação a normativo, que não enferma de inconstitucionalidade, existente no seu Regimento.

Passando a conhecer do mérito do recurso desde já se adianta que assiste razão ao recorrente.

Com efeito, desde logo, encontrando-se no âmbito do processo sumaríssimo, dosciplinado pelo art.º 189º - A do Regulamento Disciplinar da L. P. F. P., cumpre respeitar na sua aplicação todos os princípios consagrados num Estado de Direito, e designadamente assinalados no art.º 2º da C. R. P.: "Portugal é um Estado de direito democrático baseado na soberania popular (...) e no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais."

Um dos direitos fundamentais de qualquer cidadão nacional é justamente o de poder defender-se de qualquer acusação ou indiciação que lhe seja imputada. De facto, vigora entre nós o princípio da proibição da reformatio in jejus com respeito pelo princípio do acusatório, que obsta a que ao arguido quando se defende seja aplicada pena ou sanção disciplinar que o prejudique (art. 409º do C.P.P.)

No caso sub judice a al. a) do n.º 1 do art.º 189º - A do Regulamento Disciplinar estatui que é proferido por um membro da comissão disciplinar despacho de indiciação de que constem sucintamente os factos imputados, o tipo disciplinar infringido, e a sanção aplicável fundando com uma proposta de decisão.

Sucede que as alíneas b) e c) da mesma norma conferem ao arguido duas faculdades cuja escolha a ele apenas cabe: ou requer, no prazo de 48 horas, o prosseguimento do processo oferendo a sua defesa; ou, conformando-se com a proposta de indiciação (equivalente em tudo à acusação deduzida em processo penal), nada diz, tendo-se imediatamente a proposta convertida em decisão definitiva.

Funcionando no direito processual penal português o princípio do acusatório, não pode a decisão que vier a ser proferida após uma acusação concreta, condenar em facto ou pena mais grave do que a proposta

Desta forma, o despacho de indiciação a que se refere a al. a) do n.º 1 do preceito citado, há-de ser qualificada como uma decisão definitiva, embora sujeita à condição suspensiva da apresentação da defesa pelo arguido. Doutro passo, se ao arguido se confere a possibilidade de contestar, através da defesa, o despacho de indiciação, em toda a sua integralidade, não pode deixar de se entender que o arguido, quando contesta, não concorda com a pena que foi proposta para lhe ser aplicada.

Depois disto, e na sequência de um processo em que a entidade detentora do poder disciplinar nenhuma outra diligência de prova pode requerer, limitando-se a ser produzida a prova indicada pelo arguido para sua defesa, surgiria necessariamente como um contra-senso ver este arguido ser-lhe agravada a pena concreta, apenas porque se defendeu. Esta situação, a ser admitida, violaria todos os princípios do estado de direito em que vivemos, tornando-se verdadeiramente iníqua para os disciplinarmente perseguidos.

Por esta razão, temos de concluir que o art.º 189 - A, nº1 e suas alíneas só pode ser interpretado no seguinte sentido: a) - se o arguido não responde ao despacho de indiciação será punido com a pena que naquele foi proposta; b) - se o arguido apresenta a sua defesa requerendo o prosseguimento do processo apenas pode ser punido, no caso de improcedência total da defesa com a pena constante da mesma proposta: c) - se no mesmo caso a defesa proceder em parte, pode o arguido ser absolvido ou punido com pena inferior à proposta no despacho de indiciação; d) - nunca, em qualquer caso, poderá ser aplicada ao arguido que se defendeu uma pena superior à que foi proposta no despacho inicial de indiciação.

Decisão:

Termos em que se julga procedente o recurso e em consequência se revoga em parte o acórdão recorrido, punindo-se o recorrente arguido Benedict Saul McCarthy na pena de dois (2) jogos de suspensão e de 1.500 Euros de multa.

Sem custas.

Notifique por fax.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2005
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Reacção do FCPORTO:

McCarthy: Justiça goleou o contra-senso

McCarthy defendeu-se e a pena foi agravada. Um arguido recorre contra um castigo e é sancionado por ter ousado dizer que a sanção que lhe foi aplicada é injusta e excessiva. Soa mal, apresenta contornos de irresponsabilidade perante a Lei, tem aspecto conspirativo. Hoje, todavia, o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol evitou o atentado ao estado de direito.

A justiça prevaleceu no meio do desatino. O Conselho de Justiça da FPF considerou procedente o recurso apresentado pela F.C. Porto – Futebol, SAD e deixou a Comissão Disciplinar da Liga num beco sem saída, atolada no descrédito e despida de argumentos legais para convencer o futebol de que julga com rigor e isenção.

Como será de agora em diante? Quem poderá assegurar que as decisões que vieram a ser tomadas no âmbito da Liga Portuguesa de Futebol Profissional não são injustas e mal intencionadas? Como pode ler-se no acórdão proferido pelo Conselho de Justiça da FPF esta quinta-feira, é «um contra-senso» que um arguido veja a sua pena agravada «apenas porque se defendeu». Um contra-senso, um absurdo, uma tirania.

As Leis são claras e devem ser iguais para todos. Sem excepção. O que a Comissão Disciplinar quis fazer foi reescrever a Justiça como mais lhe conveio. Não faz sentido. «Esta situação, a ser admitida, violaria todos os princípios do estado de direito em que vivemos». É reconfortante perceber que há juizes que sabem desenvolver com exactidão a difícil tarefa que lhes é entregue. Os outros estão a afundar-se na incompetência. Resta saber quanto tempo mais lhes vai ser concedido até serem tomadas medidas incisivas.

A transcrição dos últimos parágrafos do acórdão do Conselho de Justiça da FPF fala por si. Todos saberemos que conclusões retirar deste episódio lamentável:

«Depois disto, e na sequência de um processo em que a entidade detentora do poder disciplinar nenhuma outra diligência de prova pode requerer, limitando-se a ser produzida a prova indicada pelo arguido para sua defesa, surgiria necessariamente como um contra-senso ver este arguido ser-lhe agravada a pena concreta, apenas porque se defendeu. Esta situação, a ser admitida, violaria todos os princípios do estado de direito em que vivemos, tornando-se verdadeiramente iníquia para os disciplinarmente perseguidos.

Por esta razão, temos de concluir que o artº 189 – A, nº1 e suas alíneas só pode ser interpretado no seguinte sentido: a) – se o arguido não responde ao despacho de indiciação será punido com a pena que naquele foi proposta; b) – se o arguido apresenta a sua defesa requerendo o prosseguimento do processo apenas pode ser punido, no caso de improcedência total da defesa com a pena constante da mesma proposta: c) – se no mesmo caso a defesa proceder em parte, pode o arguido ser absolvido ou punido com pena inferior à proposta no despacho de indiciação; d) – nunca, em qualquer caso, poderá ser aplicada ao arguido que se defendeu uma pena superior à que foi proposta no despacho inicial de indiciação.

Decisão:

Termos em que se julga procedente o recurso e em consequência se revoga em parte o acórdão recorrido, punindo-se o recorrente arguido Benedict Saul McCarthy na pena de dois (2) jogos de suspensão e de 1.500 Euros de multa.»