segunda-feira, junho 14, 2004

Fé no Porto

JOSÉ MANUEL RIBEIRO no Ojogo

O desvario surrealista de anteontem à tarde esclareceu em absoluto de que lado esteve a razão nestes meses de combate travado nos jornais em redor dos jogadores do FC Porto, mas, acima de tudo, mostrou quem fez jornalismo e quem fez assessoria de Imprensa; quem tinha argumentos legítimos para censurar as convocatórias ou métodos do seleccionador e quem combateu essas opiniões, sistematicamente, apenas por não gostar do FC Porto; quem fez críticas objectivas ao trabalho, desde sempre desconexo, de Scolari e quem as mitigou, em nome de um interesse "nacional" que, para além de contraditório, implicou e continua a implicar pôr o jornalismo de lado. O Portugal-Grécia não foi um incidente: foi o habitual desde o primeiro jogo do Mundial'98, descontado o período terapêutico de Agostinho Oliveira. Fora a incompetência particular do treinador, o resultado do exame é a mesma reverência de sempre por jogadores que, adulados pela assessoria de Imprensa, confundem a realidade com a colecção privada de adjectivos laudatórios. Consumada a catástrofe para lá de qualquer desculpa, Figo foi o melhor em campo e Rui Costa esteve tão bem como Deco, apesar de "infeliz" - essa análise podia ser lida ontem em mais de um jornal, embora, por esta altura, já algumas verdades devessem estar gravadas em granito: com o primeiro no relvado, Portugal não tem extremo-direito nem médio-centro, porque ele acha mais interessante estorvar um colega, à procura de espaço para ser patriota sozinho, do que cumprir funções pré-determinadas que o deixam na sombra; com o segundo, há dez jogadores em redor de um pivô etéreo, cujo imenso talento (menos para o trabalho) mantém em perpétuo "stand-by", quando o futebol já se joga em "fast-forward". A ausência de Ricardo Carvalho, muitas vezes glosada pela mais perspicaz Imprensa portuguesa - "quando é que começa a campanha por Ricardo Carvalho?", escreveu certa vez um accionista maioritário da razão - é tão inteligente que nem vale a pena comentar. Scolari tem seis campeões europeus. Neste ponto da história, resta ordenar-lhe que os use. De preferência, sem lhes dar instruções.